sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

No Corcovado


É preciso determinar a finalidade de tudo isso. Não sei porque vim parar aqui nesta cidade. Subi até o Cristo Redentor nessa manhã. Foi um espetáculo visual sem precedente em toda a minha vida. O Rio de Janeiro é de uma beleza descomunal, estonteante. Fui num trenzinho onde o burburinho provocado pelo buchicho da turistada estrangeira quase atrapalhava a vista. Ao meu lado o som de vozes um tanto gutural fazia supor uma língua eslava. Quase todos de olhos azuis e todos os sentados muito brancos. Negro, o motorista. E o moreno aqui, de turista incidental, era atravessado por olhares entre curiosos, pretensiosos ou apáticos.

A compleição de alguns, de bochechas inchadas e dominadas pelo vermelhão, revela o cansaço que é essa tarefa de conhecer os lugares do mundo para contar a aventura tantas vezes dessinteressante a ouvidos muitas vezes desinteressados. Sinto pena quando vejo um destacamento de turistas, pois me fazem lembrar tropas militares que perderam o rumo da batalha, a noção da guerra e o interesse pela vitória. Havia entre eles aquela desconfiança miúda de quem está prestes a ser assaltado, enganado ou, simplesmente, ridicularizado.

Eu, da minha parte, carregava o mesmo receio antes de colocar os pés pelo calçadão de Copacabana. Não demorou 10 minutos para descobrir que minha pele, meu caminhado e, especialmente, a maneira despreocupada com que olhava para o mar, tornava-me mais carioca que os moradores daquele bairro. Senti uma satisfação, uma paz comigo mesmo, como alguém que acaba de despedir uma visita indesejada. Não me ofereceram nenhuma buginganga de verão, badulaques inúteis como óculos de sol, toalhas, sucos e sanduíches; nem mesmo o artesanato pobre dos hippies profissionais, nem as camisetas dos camelôs.

Eu sorri para mim e daqueles estrangeiros incomodados pela gentileza mercantil dos ambulantes. Mas, nessa hora, no Corcovado, não me vem esse humor. Ao chegar lá em cima sinto, de imediato, o choque visual e um mal estar absurdo. Ânsia de vômito e uma dor no peito. Penso em infarte. Lembro o João Pedro e agradeço a Deus por, pelo menos, ver esse espetáculo todo. A Baía de Guanabara gira sobre a minha cabeça. Recosto no alpendre maravilhado com aquela visão e nervoso ao sentir as pernas bambas. O João Pedro não sai de minha cabeça e também o fato de pedir a Deus para que eu realmente tenha perdoado aquela mulher com quem casei.

Minhas pernas fraquejaram. Respiro fundo e recobro um pouco de consciência das coisas, da paisagem, enquanto tento me convencer que o mal estar é por causa do café, a pressão atmosférica daquela altura toda ou por aquela beleza inexplicável. Sinto-me melhor, mas receio que os turistas estejam todos olhando, penalizados, para mim. Nem de longe. Diante daquelas pedras imensas quem iria olhar para a feiúra de um ser humano?

Pronto!, já posso cumprir a tarefa de ver o que é para ser visto. Olho para a imagem do Cristo e falo com Ele o que nós, humanos, fizemos aquele monumento espetacular em Sua homenagem. Viro as costas e, dentro de mim, surge uma resposta para minha fala pretensiosa: “E Eu, que fiz isso, para vocês?”
_ Fotos! Fotos! Só dez reais!
Pela milésima vez perco um debate com o criador... Pelo menos o fotógrafo achou um jeito de lucrar com os préstimos divinos.

Domino-me. E a altura imensa parece convidar-me para um vôo sobre aquilo tudo. Um helicóptero circunda pipocando flashes sobre nós turistas. Um espaço perto do Leblon, todo branco, chamou muito a minha atenção. Supus um bairro popular construído por encomenda por algum governante obcecado por dar aos pobres um dormitório típico de hospício. Casinhas iguais, brancas, ficam bonitas de longe. Novamente, tomo noção da altura em que estou olhando para a floresta da Tijuca, embaixo do Cristo. Se eu cometer suicídio, acho que não faria falta a ninguém no final das contas.

Não queria viver assim, sem sentidos e sem maiores sentimentos. O meu entusiasmo com o jornalismo, a minha fé católica, apostólica e romana, a minha esperança infantil esvaem. Existem duas expressões, pobres aliás, para se referir a momentos assim. A primeira, aquela dos covardes, é quando se diz que se sente um vazio. A outra, dos idiotas, diz-se estar cheio disso tudo. Eu penso em suicídio e no abandono. Sumir da vida que eu levo na Capital do País. Minhas veias estão cheias, minha vidinha cheia. Minha idéias flutuam, meu coraçãozinho há muito que carrega um sopro típico de cardíaco.

Preciso ir-me. Esses velhos da classe média mundial, garotos da Canon, da Nike, da Siemens e outras tantas marcas,- seja pelo trabalho que lhes paga, ou pelo consumo que lhes realiza - estão me sufocando. Desço e espero uns 10 minutos até o retorno do trenzinho do Corcovado. Vou ao banheiro, urino. Abro a portinhola e sou surpreendido com o sorriso nervoso de uma idosa japonesa.

Entro no vagão vermelho da frente e cinco minutos depois agradeço pelo grupo de samba não ter subido no mesmo. A batucada profissional ficou lá atrás e foi até a metade do caminho. Na minha frente um vermelho americano e, sentada ao meu lado, provavelmente, a mulher dele. Silêncio no vagão, interrompido pela vai e vem de um japonês que fotograva a estradinha. Abro a carteira, pego a foto do meu filho. As lágrimas saem e esqueço a paisagem, a viagem e a mim mesmo. Reparo que a americana me olha com descrição e não me sinto incomodado mais.

Quando deixo a estação para trás deparo-me com a Igreja de São Judas Tadeu. Entro. Tento rezar enquanto a missa termina. Faço tudo isso de maneira automática, inclusive pegar o táxi uns 15 minutos depois. Não sinto nada de fato. Um torpor invadiu-me o corpo. Cansaço, desânimo. Até que passo por aquilo que julgava uma casinhas brancas de um projeto de habitação governamental. É um cemitério, meu Deus do céu! Cheio de imagens brancas de Nossa Senhora, de tumbas brancas. O táxi passa rápido. Sinto-me melhor, penso que tenho que sacar dinheiro, que não sei onde fica a agência do Banco do Brasil, que não sei a que distância estou de Copacabana, que preciso ver o horário do vôo para ir embora para Brasília, que quero ver o meu filho.

2 comentários:

Anônimo disse...

Me vi nesse passeio, tão rico em detalhes e sensações. Escreves muito bem. Uma ótima iniciativa para um "jornalista, poeta, pequeno historiador urbano". Contai-nos. Apesar de todos os desalentos da vida, ainda é tempo de VIVER e contar. Certas histórias não se perdem. Bjos.

Letícia Alcântara disse...

O Corcovado desperta em nós as sensações mais estranhas, estar diante de uma paisagem como a do Rio é de dar medo. Deus é tão generoso conosco, e agora estamos aqui próximos demais, não nos achando merecedores de tudo isso. A vontade de chorar é instântanea. A sensibilidade com que descreve este momento é tocante. Emocionante! Impresionante também como você consegue resumir a sua vida a fatos marcantes, mas não tão determinantes de modo que deixemos de achar a vida bela.

Beijo